Daqui do meu lugar eu vejo a cidade acordando cansada.
As crianças brincam com a fumacinha que sai da boca.
Fingem fumar.
Os adultos correm contra o relógio à favor do atraso.
Fingem viver.
As mulheres carregam bolsas, filhos e a desventura de mais um dia com dois expedientes.
Os homens mastigam uma bobagem qualquer pra enganar o estômago.
Devoram uma certeza qualquer pra enganar o coração.
Todos se arrastam, todos cochilam de pé. Todos apenas sobrevivem.
Os vidros fechados nos sinais. Os sinais fechados pro tumulto.
Os olhos fechados pra tudo.
A cabeça recostada no vidro do ônibus, a mochila pesada nas costas.
É só mais um dia vadio.
O telefone não toca, a música não toca, todos te tocam, te espremem, mas não tiram virtude alguma.
Não te percebem.
É só mais um dia vazio.
Na contagem de um preso, um a menos.
Na contagem de um idoso, um a mais.
Na minha contagem, apenas um.
Mais um dos mesmos.
Kamila V.
Um comentário:
a sensação advém do nosso contato com o mundo, é registrada no sistema sensorial. a percepção advém da assimilação da sensação com o histórico pessoal. Você sente que tudo é igual a todos os dias...a frieza desta cidade invade seus sentidos. você vê desânimo, você escuta em meio a tanto barulho, um silêncio nas relações. você sente frio do tempo e o frio das pessoas, você toca em tantos mas vive quase nada (virtude).
Adorei seu pensamento Mila, por que mais do que uma linguagem poética, você usa de uma realidade "tampada com a peneira".
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