segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Cale-se.


Eu conferi o gorro e o cachecol.
Pus as luvas e depois a mão na fechadura.
Saí.
Meu nariz sofreu. Afinal, eu posso esquentar qualquer parte da corpo, mas o nariz não... Ele tá sempre lá do lado de fora.
Vermelho e gelado.
Mas o assunto não é especialmente o frio nasal daquela manhã. E sim o frio de alma.
Quando olhei, quando ouvi, todos se despiam dos seus sentimentos.
A moça atravessou minha frente gritando o amor sofrido e escondido pelo melhor amigo. Casado.
Um senhor queixa-se silencioso da vida ingrata, que seus filhos ingratos lhe oferecem.
A criança chora por dentro, sem explicações sobre as brigas diárias dos pais.
Um casal ama, planeja e se ilude.
Um homem deseja a mulher que passa ao lado.
E eu aqui perplexa por essa exposição sem-vergonha, sigo caminhando e ouvindo os segredos, pecados e anseios.
Nada fica oculto e por menos que eu queira, eles me contam, me confidenciam...
Essa liberdade que eu não dei à eles, me atordoa e os tranquiliza.
Como pode ser isso? Será que não percebem o que estão me falando?
Não percebem o quanto não quero essa sinceridade?
Não, ninguém percebe.
Aliás, o mundo continua perfeitamente normal fora de mim.
Continua reto.
Ninguém sabe que me diz.
Mas dentro de mim há uma revolução de sentimentos, de falas, de intimidades.
Porque eu?
Porque sobre mim esse peso?
Eu nunca quis saber das coisas. Se puder, afasta de mim esse cálice.
Eu quero ser inocente, quero andar leve, quero ver por fora...nem saber o que se passa aí.
Porque quando cruzo com você e fico te vendo por dentro, eu sofro demais.
Poupe-me disso.
Kamila V.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Embarque nesse carrossel.


Crianças têm muitas dúvidas, vivem enchendo os pais de perguntas.
Eu lembro de uma em especial que eu tinha e hoje acho muito criativa. Quem aprende uma língua estrangeira, será que depois de algum tempo falando ela, também a utiliza nos sonhos?...
Se sonhar já é difícil, imagina sonhar em mandarim.
Tá bom que eu viajava, mas acho uma dúvida legal e menos idiota do que as que tenho hoje.
Eu fui crescendo, crescendo (tá...eu não cresci muito.), cheguei na fase da menina-mulher. Fase tão horrível quanto esse nome, aliás, só se usa essa palavra em convite de festa de 15 anos....
Sei lá, no meu tempo se usava...
E hoje eu faço parte do fantástico mundo de gente-grande. Aquele em que minha mãe era a mais linda das mulheres e meu pai o melhor pai do mundo.
No mundo deles eu poderia ser livre, eternamente feliz, inteligente.
E iludida.
Nesse meu mundo passei a entender porque minha mãe calava minha perguntas dizendo que eu era muito criança pra entender certas coisas.
Mas hoje eu sei que ela não tinha a menor idéia sobre certas coisas.
Só que não havia ninguém naquele mundo dela que fosse maior. Não há ninguém no meu mundo maior que eu, que nós adultos.
Hoje depois de grande, não dá mais pra me convencer de que a vida é uma escola. Porque tem coisas, as mais importantes por sinal, que nunca se aprende.
Tem coisas que se morre velho sem saber.
Tem coisas que todos somos crianças demais para entender.
Ninguém sabe falar de cura pra saudade...ainda que digam que tal remédio seja o tempo. Tempo só serve pra envelhecer...e todos sabem que velhice pede mais remédio ainda.
Niguém sabe falar com propriedade sobre amor. Tudo que sabemos são apenas suposições, apenas idéias.
Sobre morte, sobre guerra, sobre saudade, sobre dor...todo mundo enrola.
Mas ninguém responde.
Culpam a cegonha, culpam o destino, culpam o Bush, culpam Deus, culpam a coluna... palpites, apenas.
Pra essas questões não existem títulos, nem experiências que tragam a resposta.
Mas isso não é mais problema no meu mundo. Aqui a gente finge.
E finge bem ser o dono da verdade, sem ao menos saber se verdades existem.
Afinal, nossas crianças precisam dormir tranquilas, sossegadas e esperançosas.
Precisam deitar acreditando que qualquer dia desses quando acordarem terão ciência de tudo.
Porque qualquer dia desses sem perceber elas acordarão fazendo parte do meu mundo, desse mundo de faz-de-conta que só gente grande sabe fazer.
E aí elas verão que aqui, tudo é de mentirinha.

Kamila V.