quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Vida matinho é vida boa.


Sabe aqueles verdinhos que nascem no canto do asfalto que ninguém dá bola?

Aqueles que o cara da Comcap é pago pra arrancar de lá sem dó nem piedade?
Então, eu sentei e fiquei olhando pra um desses esses dias.
No meio do cinza, da fumaça, da poeira, da confusão, dos pés, da borracha...ele tá lá, verde.
Eu não entendo como pode, ser insistente naquela vida medíocre de matinho verde.
Sem função, sem produção substancial de O2, sem futuro, porque dentro de dias o destino certo do matinho, é a pá do tio da Comcap.
Mas ele não tá nem aí.
Ele é daninho, uma praga. Arranca, nasce, arranca, nasce.
Esse texto não tem nenhum final bonito, nenhuma moral, nada que faça você abrir seu maxilar e dizer Ó!, e eu tenho certeza que 5 minutos depois de postar eu vou achá-lo ridículo.
Esse texto é na verdade uma pergunta.
Como alguém ou algo, consegue ressurgir do nada?
Como alguém insiste em renascer não sendo ao menos desejado?
Tipo, ninguém vai pro canto da estrada regar e colocar adubo ou torcer em coro pra que ele nasça.
Ninguém, e há anos a saga se repete.
Acho que eu preciso mesmo é de uma vida de matinho.
Sem regadores, sem adubos, sem bajulações, sem mentiras, promessas.
Quem sabe assim eu me levante de novo e verde, antes que o ano acabe.

Kamila V.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Aos que se foram, obrigada.

Eu não sei muito sobre a vida, sobre as relações e as pessoas.
Eu não sei muito sobre essa roda-viva.
Mas eu tenho algumas suspeitas sobre o que faz a tal roda girar, a respeito do que me pára, me move e de vez em quando suspirar...
Eu aprendi sobre o medo, ficando no escuro mesmo.
Aprendi que chega uma hora que o medo adormece, que dá e passa.
Em vez de eu correr do monstro, eu o abraço, agarro.
De repente é ele que cansa do GRRRRRR! e vai embora à procura de alguém que se assuste com o mundo e toda sua podridão.
Aprendi sobre saudade, deixando ir pra longe quem eu gostei ou até mesmo amei...
Aprendi que olhar as cartas, olhar as fotos, alimentar a saudade faz ela dormir depois.
Faz ela todo dia querer um pouquinho mais de comida e dormir um sono maior do almoço.
Até que chegou o dia em que ela esqueceu de acordar. E eu pude finalmente limpar minhas gavetas.
Deixar o passado definitivamente passar, passar por mim...
Aprendi sobre o amor, vendo ele chegar e partir.
Amor é assim mesmo, eterno enquanto dure este clichê.
Por isso, não se morre de amor.
Aprendi sobre morte, deixando quem se foi levar um pedaço de mim.
Ficou aqui o resto, que teve de aprender à força sobre tudo isso e continuar achando graça.

Kamila V.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Deja' vu.


Daqui do meu lugar eu vejo a cidade acordando cansada.
As crianças brincam com a fumacinha que sai da boca.
Fingem fumar.
Os adultos correm contra o relógio à favor do atraso.
Fingem viver.
As mulheres carregam bolsas, filhos e a desventura de mais um dia com dois expedientes.
Os homens mastigam uma bobagem qualquer pra enganar o estômago.
Devoram uma certeza qualquer pra enganar o coração.
Todos se arrastam, todos cochilam de pé. Todos apenas sobrevivem.
Os vidros fechados nos sinais. Os sinais fechados pro tumulto.
Os olhos fechados pra tudo.
A cabeça recostada no vidro do ônibus, a mochila pesada nas costas.
É só mais um dia vadio.
O telefone não toca, a música não toca, todos te tocam, te espremem, mas não tiram virtude alguma.
Não te percebem.
É só mais um dia vazio.
Na contagem de um preso, um a menos.
Na contagem de um idoso, um a mais.
Na minha contagem, apenas um.
Mais um dos mesmos.
Kamila V.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Cale-se.


Eu conferi o gorro e o cachecol.
Pus as luvas e depois a mão na fechadura.
Saí.
Meu nariz sofreu. Afinal, eu posso esquentar qualquer parte da corpo, mas o nariz não... Ele tá sempre lá do lado de fora.
Vermelho e gelado.
Mas o assunto não é especialmente o frio nasal daquela manhã. E sim o frio de alma.
Quando olhei, quando ouvi, todos se despiam dos seus sentimentos.
A moça atravessou minha frente gritando o amor sofrido e escondido pelo melhor amigo. Casado.
Um senhor queixa-se silencioso da vida ingrata, que seus filhos ingratos lhe oferecem.
A criança chora por dentro, sem explicações sobre as brigas diárias dos pais.
Um casal ama, planeja e se ilude.
Um homem deseja a mulher que passa ao lado.
E eu aqui perplexa por essa exposição sem-vergonha, sigo caminhando e ouvindo os segredos, pecados e anseios.
Nada fica oculto e por menos que eu queira, eles me contam, me confidenciam...
Essa liberdade que eu não dei à eles, me atordoa e os tranquiliza.
Como pode ser isso? Será que não percebem o que estão me falando?
Não percebem o quanto não quero essa sinceridade?
Não, ninguém percebe.
Aliás, o mundo continua perfeitamente normal fora de mim.
Continua reto.
Ninguém sabe que me diz.
Mas dentro de mim há uma revolução de sentimentos, de falas, de intimidades.
Porque eu?
Porque sobre mim esse peso?
Eu nunca quis saber das coisas. Se puder, afasta de mim esse cálice.
Eu quero ser inocente, quero andar leve, quero ver por fora...nem saber o que se passa aí.
Porque quando cruzo com você e fico te vendo por dentro, eu sofro demais.
Poupe-me disso.
Kamila V.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Embarque nesse carrossel.


Crianças têm muitas dúvidas, vivem enchendo os pais de perguntas.
Eu lembro de uma em especial que eu tinha e hoje acho muito criativa. Quem aprende uma língua estrangeira, será que depois de algum tempo falando ela, também a utiliza nos sonhos?...
Se sonhar já é difícil, imagina sonhar em mandarim.
Tá bom que eu viajava, mas acho uma dúvida legal e menos idiota do que as que tenho hoje.
Eu fui crescendo, crescendo (tá...eu não cresci muito.), cheguei na fase da menina-mulher. Fase tão horrível quanto esse nome, aliás, só se usa essa palavra em convite de festa de 15 anos....
Sei lá, no meu tempo se usava...
E hoje eu faço parte do fantástico mundo de gente-grande. Aquele em que minha mãe era a mais linda das mulheres e meu pai o melhor pai do mundo.
No mundo deles eu poderia ser livre, eternamente feliz, inteligente.
E iludida.
Nesse meu mundo passei a entender porque minha mãe calava minha perguntas dizendo que eu era muito criança pra entender certas coisas.
Mas hoje eu sei que ela não tinha a menor idéia sobre certas coisas.
Só que não havia ninguém naquele mundo dela que fosse maior. Não há ninguém no meu mundo maior que eu, que nós adultos.
Hoje depois de grande, não dá mais pra me convencer de que a vida é uma escola. Porque tem coisas, as mais importantes por sinal, que nunca se aprende.
Tem coisas que se morre velho sem saber.
Tem coisas que todos somos crianças demais para entender.
Ninguém sabe falar de cura pra saudade...ainda que digam que tal remédio seja o tempo. Tempo só serve pra envelhecer...e todos sabem que velhice pede mais remédio ainda.
Niguém sabe falar com propriedade sobre amor. Tudo que sabemos são apenas suposições, apenas idéias.
Sobre morte, sobre guerra, sobre saudade, sobre dor...todo mundo enrola.
Mas ninguém responde.
Culpam a cegonha, culpam o destino, culpam o Bush, culpam Deus, culpam a coluna... palpites, apenas.
Pra essas questões não existem títulos, nem experiências que tragam a resposta.
Mas isso não é mais problema no meu mundo. Aqui a gente finge.
E finge bem ser o dono da verdade, sem ao menos saber se verdades existem.
Afinal, nossas crianças precisam dormir tranquilas, sossegadas e esperançosas.
Precisam deitar acreditando que qualquer dia desses quando acordarem terão ciência de tudo.
Porque qualquer dia desses sem perceber elas acordarão fazendo parte do meu mundo, desse mundo de faz-de-conta que só gente grande sabe fazer.
E aí elas verão que aqui, tudo é de mentirinha.

Kamila V.